Para tudo existe uma explicação… será?

Por que o céu é azul? Qual o sentido da vida? O que tinha antes de tudo? Por que Exaltasamba toca pagode e Zeca Pagodinho toca samba?

Sofia
8 min readAug 4, 2019

Estamos constantemente procurando por respostas, seja sobre nós mesmos, os outros ou aquilo que nos cerca… mas muitas das vezes não encontramos uma resposta definitiva. Curiosamente, podemos dar diversas explicações para uma mesma questão. A abordagem que escolhemos, no mais das vezes, irá obedecer um contexto, já que depende de para quem falamos, em qual situação nos encontramos, qual nossa finalidade ou quais os critérios de aceitabilidade e relevância. Vamos a alguns exemplos!

  1. Você convidou a amiga pra sair de casa e ela recusou, mas por quê? Podemos responder isso ao escutar sua história e seus motivos, o que aconteceu com ela naquele dia, como ela está se sentindo, etc; assim como também podemos explicar em termos de saúde e processos físicos, por exemplo ao identificar nela um resfriado que gera indisposição. Em ambos casos temos uma explicação razoável.
  2. Você chega numa festinha e um desconhecido te pergunta: “Quem é você?”. Seria no mínimo estranho se você entrasse numa crise existencial ou começasse a refletir sobre sua vida ao invés de se identificar com, por exemplo, seu nome, certo?
  3. Se alguém lhe pergunta por que você está triste, ela não quer saber sobre o nível de hormônios no seu corpo (o que pode explicar), mas se alguém te disse algo chato, se você recebeu uma má notícia, etc.
  4. A pergunta “Por que Hermione casou com Rony?” pode ser feita com ênfases diferentes: poderíamos acentuar “Rony”, buscando saber porque Rony e não Harry, ou “casou” ao invés de “xingou”, ou “Hermione” ao invés de “Lila”. Ou seja, se quiséssemos explicitar literalmente que tipo de resposta desejamos, teríamos que dar uma espécie de contraste: “Por que Hermione casou com Rony, ao invés de Harry?” ou “Por que Hermione, e não Lila, casou com Rony?” ou “Por que Hermione casou, e não xingou, Rony?”.

Isso sustenta que existem diferentes tipos de explicação e antes de nos perguntarmos se para tudo tem uma explicação, precisamos entender que tratamento buscamos. Assim, posso explicar algo em termos científicos, ao recorrer às leis da natureza; ou por questões sentimentais, recorrendo a como me sinto em relação a algo; ou por questões espirituais, recorrendo à crenças em determinadas entidades ou fenômenos; ou mesmo por intenções políticas, econômicas, sociais, etc; enfim, há uma multiplicidade de modos pelos quais explicar algo.

No entanto, geralmente associamos explicações à ciência, e isso faz sentido , visto que já faz um bom tempo que este parece ser o campo mais afortunado em manter uma boa relação com o mundo, isto é, tem sucesso em controlar o ambiente e conseguir fazer previsões acerca do futuro, como previsões de chuvas, eclipses, doenças e suas curas, entre outras.

Tudo isso porque quero te dizer que nem tudo tem explicação, pelo menos até agora [1], e o mundo continua girando. Talvez você esteja se perguntando: mas o que diabos é uma explicação? Se esse é o caso, eu lançarei outro texto em breve tratando exatamente essa questão, criatura curiosa. Se não é o caso, parabéns, você ainda não está alucinando com filosofia… Brincadeiras de lado, vamos à parte agoniante da história.

É um pouco perturbador lidar com dúvidas e perguntas sem respostas, certo? Parece que tem algo errado ou incompleto, mas preciso dizer o seguinte: é uma aflição da qual temos que aprender a conviver. Em filosofia essa é uma lição indispensável, estamos constantemente lidando com casos em que, de uma pergunta, surgem mais outras dez perguntas, ao invés de uma resposta. Calma, deixa eu explicar.

Você sabia que Sócrates era um incansável perguntador? Ele saía pelas ruas de Atenas importunando quem quer que fosse ao perguntar o que é justiça, o que é amor, o que é o bem e o mal, o que é felicidade e outras questões do gênero [2]; daí também o famoso método socrático, em que ao invés de responder prontamente às coisas, você conduz o outro a refletir sobre um tema, ou suas próprias crenças, por meio de perguntas.

Mais um pouco de paciência e você já vai poder se gabar dizendo que leu Platão. Vou apresentar aqui um breve trecho do diálogo de Sócrates com Trasímaco. Ah, e não se preocupe se a escrita parecer um pouco excêntrica, lembremos que data de mais de 2 mil anos (por volta de 380 a.E.C.)!

Trasímaco — Ouve, então. Eu digo que a justiça é simplesmente o interesse do mais forte. Então, que esperas para me aplaudir? Vais-te recusar!
Sócrates — Em primeiro lugar, deixa que eu compreenda o que dizes, porque ainda não entendi. Pretendes que justiça é o interesse do mais forte. Mas como entendes isso, Trasímaco? Com efeito, não pode ser da seguinte maneira: “Se Polidamas é mais forte do que nós e a carne de boi é melhor para conservar suas forças, não dizes que, também para nós, mais fracos do que ele, esse alimento é vantajoso e ao mesmo tempo, justo?”
Trasímaco — És um cínico, Sócrates. Tomas as minhas palavras por onde podes atacá-las melhor!
[…]
Sócrates — Assim farei. Agora, diz-me: não julgas ser justo obedecer aos governantes?
Trasímaco — Julgo.
Sócrates — Mas os governantes são sempre infalíveis ou passíveis de se enganarem?
Trasímaco — É evidente que são passíveis de se enganarem.
Sócrates — Logo, quando elaboram leis, fazem-nas boas e más?
Trasímaco — É assim que eu penso.
Sócrates — As boas leis são aquelas que instituem o que lhes é vantajoso e as más o que lhes é desvantajoso?
Trasímaco — Sim.
Sócrates — Mas o que eles instituíram deve ser obedecido pelos governados; é nisto que consiste a justiça?
Trasímaco — Com certeza.
Sócrates — Logo, na tua opinião, não apenas é justo fazer o que é vantajoso para o mais forte, mas também o contrário, o que é desvantajoso.
Trasímaco — Que estás dizendo?!

Tá, mas por que estou te fazendo ler isso? Então, querido humano, esse tipo de discussão como a acima rendeu, no mínimo do mínimo, 400 páginas [3]. Ou seja, se ninguém estava respondendo nada, como que a conversa durou tanto? Aí que está o pulo do gato! Nós podemos muito bem discutir sobre as coisas sem necessariamente dar uma resposta definitiva a elas. Certo, isso parece óbvio, né? Hmmmm, nem tanto! Vou te dizer o porquê. Aliás, desconfie de coisas óbvias.

Já que podemos discutir sobre tudo sem dar resposta nenhuma, então também podemos falar qualquer coisa e tá beleza? Não exatamente!

Por um lado, temos pessoas confiantes de que se algo não tem uma resposta, pelo menos até o momento, então nem vale a pena discutir sobre isso seriamente. Por outro lado, temos pessoas explicando além da conta sobre fenômenos que não entendemos, como ao dizer que os dentes deixados debaixo do travesseiro são removidos por uma fada do dente, que te recompensa com alguns trocados; que buracos negros são portais para outras dimensões; que uma luz no céu é na verdade uma nave sofisticada oriunda de um planeta de uma galáxia distante. Enfim, você escolhe o exemplo que lhe couber melhor.

Sabemos também que acontece de darmos explicações equivocadas sobre as coisas, e possivelmente fazemos isso com mais frequência do que imaginamos. Um dos vários desafios é que não sabemos exatamente como garantir efetivamente a veracidade de alguma alegação, ou seja, como ter certeza de que algo é verdadeiro. Por sinal, o que é “verdade” mesmo? Só pra não deixar essa pergunta tão cabulosa no ar, fica uma dica: podemos entender a verdade, num primeiro momento, como correspondência com o mundo externo, com os fatos; isso nos leva a perguntar o que é esse tal de “mundo externo” ou “realidade”, como dito ordinariamente. Talvez esse mundo seja aquilo que existe independentemente da minha existência, o que torna a verdade absoluta… ou não. O debate é longo e, se você quiser saber mais, a área que trata disso mais diretamente é a teoria do conhecimento, também chamada no “filosofês” de epistemologia.

Verdadeiras ou não, ao longo da história temos fartos exemplos sobre nossas tentativas, prósperas ou falhas, em explicar eventos, sendo um dos mais famosos casos o do avanço da física passando por Galileu, Newton e Einstein [4]. Antigamente, por exemplo, tempestades e raios eram considerados castigos dos deuses pelos pecados cometidos na Terra, depois de um tempo passamos a perceber padrões e fatores relacionados a esses eventos que nos permitiram hoje em dia, além de oferecer uma explicação satisfatória, também conseguir prever quando esses eventos irão ocorrer.

Existe algo muito doido nesse limiar entre não dar resposta nenhuma e dar explicações sofisticadas: filosofia! Sim, de novo eu com essa história. Não tem problema nenhum não saber explicar tudo! E digo mais, não digo nada. Brincadeira, digo sim: quando não sabemos sobre algo, é extremamente valioso buscar entender e discutir acerca disso, mas sempre com a cautela de não falar baboseira, isto é, precisamos exercitar o nosso senso crítico e ceticismo saudável para nos guiar a um caminho sensato. E é justamente aqui que entra a tão valiosa lição da filosofia ao oferecer uma atividade crítica de pensamento. Dá pra acreditar que alguns a consideram inútil? Quanto a isso, eu não teria melhores palavras que Bertrand Russell no último capítulo de seu livro Problemas da Filosofia:

O valor da filosofia, na realidade, deve ser buscado, em grande medida, na sua própria incerteza. O homem que não tem a menor noção da filosofia caminha pela vida afora preso a preconceitos derivados do senso comum, das crenças habituais da sua época e do seu país, e das convicções que cresceram na sua mente sem a cooperação ou o consentimento deliberado de sua razão. Para tal homem o mundo tende a tornar-se finito, definido, óbvio; para ele os objetos habituais não levantam problemas e as possibilidades estranhas são desdenhosamente rejeitadas. Ao contrário, quando começamos a filosofar imediatamente nos damos conta […] que mesmo as coisas mais vulgares levantam problemas para os quais só podemos dar respostas muito incompletas.

O conhecimento vem da dúvida, da curiosidade, logo, quando não sabemos explicar algo, na verdade, estamos nos deparando com a preciosa oportunidade de descobrir novas possibilidades de pensar, de explicar em outros termos, de alimentar a nossa imaginação e até mesmo de questionar o que nos foi dito até então. Não tenha vergonha de dizer “Eu não sei”!

Notas de rodapé

[1] Aqui surgem outras discussões filosóficas laterais, como por exemplo se de fato existem coisas esperando para serem descobertas, ou se a cada tese que elaboramos estamos criando novas coisas.

[2] Você pode encontrar os diálogos nos livros de A República, de Platão. Sim, Sócrates nunca escreveu nada.

[3] Esse é aproximadamente o número de páginas de A República, mas é claro que rendeu MUITO mais que isso, ainda mais se for contabilizar todo o debate em torno.

[4] Vale notar que isso é fruto de uma tradição estranha de idealizar “gênios”, como se fizessem as teorias sozinhos, e não com toda a bagagem de conhecimento de sua época

--

--