fotografias mentais numa manhã de sexta-feira

sobre se flagrar em momentos

Sofia
3 min readFeb 15, 2020

Cheguei mais cedo na sala de aula e me sentei no mesmo lugar de sempre. No tempo ocioso tentei não pegar meu celular, apenas observar o que havia ao meu redor. Tinham umas quatro pessoas na sala, professor incluso, todos quietos. Alguns em seus celulares, outros ainda dormindo. A manhã estava nublada e um pouco mais fria que o normal, percebi a cortina se movimentar com a brisa de ar frio que entrava delicadamente pelas janelas. Olhar a cortina ir e voltar foi quase como uma meditação.

E então o que vi pela janela me fez devanear. Pensei: e agora? Como faço pra lembrar desse momento mais tarde? Não quero esquecer. Uma foto não iria capturar a beleza do que eu via, que além de imagem era também o som dos passarinhos lá fora, passos no corredor, respiração e estalos inesperados dos móveis. Também era cheiro de terra molhada, de banho tomado, de café fresco. E o mais “inregistrável” de todos: existir ali, naquele tempo e espaço. Observei atentamente cada detalhe, em busca de uma fotografia mental. Decidi desenhar, escrever sobre e, mesmo assim, não foi suficiente. Na verdade, nunca será.

Com sua licença, serei brega para falar um pouco mais sobre toda essa coisa de viver o agora. O que seria o tempo presente? Sabemos que nossa percepção do tempo pode variar muito. Alguns diriam até que é ilusória, inventamos uma forma de quantificar as horas num relógio ou dividir o dia em partes, mas o tempo é mesmo dividido? Em quantos pedaços? E aí o que acontece quando eu digo AGORA? O agora dali já foi, e o de agora está indo agora mesmo. Eita, que coisa complicada viver o agora, talvez então tenha uma forma diferente de entender os momentos do presente, seriam 5 segundos? Talvez 1 minuto? Não sei, mas e se não for algo que dê pra quantificar? Talvez seja algo qualitativo, não dá pra medir. Mas e aí como a gente sabe quando o momento começa e termina? Bem, a gente não sabe até que ele comece e termine, simples assim.

Quando comecei a olhar o balanço da cortina não estava com a intenção de “iniciar” um momento, até que chegou a hora de contemplar a vista da janela e, depois das tentativas de absorver aquela sensação, acabou. Como se eu não tivesse controle nenhum sobre viver ou não nesse tal de presente, você se flagra nele.

Podemos buscar contemplar todas as coisas simples e ter um olhar diferente sobre os objetos do dia a dia, certo? Não sei. Confesso que isso me soa linguiça pra autoajuda. O que me vem a mente é a imagem de uma pessoa tentando ser “profunda”, pegando sua caneca de café e a olhando de diferentes perspectivas na busca por encontrar algo fora do comum, um pensamento interessante, uma fala perspicaz e, no final das contas, ficar altamente desapontado/a por não conseguir achar nada disso. Afinal de contas, era só uma caneca de café. Eu diria para essa pessoa imaginária não se preocupar com essa aparente falta de ideias; na realidade, provável que esse seja um sinal de sanidade.

Enfim, acho que o quero dizer é que não precisamos ficar contemplando as coisas a todo instante, apreciar o giro da descarga ou o abrir e fechar de portas. Momentos assim não se forçam, se flagram.

Escrito em alguma sexta-feira, obrigada pela leitura.

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